OUTWEAR No. 11

/// O TIO, A AVÓ, A MÃE E O BLUSÃO

Está envelhecido, russo, gasto. Já esteve na moda, deixou de o estar e voltou de novo. O forro foi remendado, levou molas novas, e um novo fecho. Foi elogiado, cobiçado e invejado. E até já o tentaram copiar.

O meu blusão de cabedal.

Todos nós temos certamente aqueles objectos aos quais, por uma razão ou outra, nos apegámos. Objectos cujo valor depende unicamente do sentimento que a eles nos unem, e que para a maioria das pessoas não passa de tralha. Uns foram-nos dados, outros adquirimos. De uns tivemos imediatamente a certeza que iriam ficar para a nossa história, outros começaram por ser aquisições falhadas, até serem descobertos, uns anos mais tarde, no fundo da gaveta.

Com o meu blusão a história foi ainda mais inusitada. O meu tio, um dos homens mais charmosos que tive o prazer de conhecer, comprou-o nos anos 80. Quando o meu tio faleceu, a minha avó achou que deveria ser eu o herdeiro do casaco. A minha mãe tratou de mo mostrar e, como eu não revelasse um grande entusiasmo, guardou-o cuidadosamente no meu armário, devidamente acomodado para não se estragar e escondido o suficiente, não se fosse dar-se o caso de me irritar com a falta de espaço e o resolvesse doar. Uma grande limpeza de guarda-fato, daquelas que nos passam pela cabeça sobretudo quando temos um exame importantíssimo à porta, fez-me redescobri-lo.

Uma série de felizes coincidências? Quero acreditar que, mais do que isso, existe uma qualquer energia que a tudo acode, mesmo quando esse tudo seja tão insignificante como um blusão aparentemente o é.

As primeiras vezes que o usei foram tímidas. Não tinha ainda a certeza se me ficava bem e morria de medo do ridículo. Até que surgiram os primeiros elogios, os primeiros comentários gabosos, e as primeiras fotografias, ostentando o cada vez mais engraçado blusão.

Hoje guardo-o religiosamente. Pelo meu tio, por quem tinha a maior estima, pela minha avó que continua a ser uma das maiores conselheiras que conheço no que ao estilo masculino concerne, e pela minha mãe, a pessoa que sabe o que eu quis, quero e sempre quererei, muito antes de eu sequer imaginar.

P.S. - Não sei se têm reparado nas colecções de meia-estação de quase todas as lojas de pronto-a-vestir. Cabedal, cabedal, cabedal. Verdadeiro, falso, castanho, preto, com ou sem pelo. São sempre uma boa aposta!

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