/// NOS INTERVALOS DA VIDA





Ali estava de repente e sem qualquer tipo de aviso prévio às minhas pernas, que começaram imediatamente a fraquejar por entre as hordas desordenadas de pessoas embaladas pela música. Somos velhos conhecidos que se foram aproximando pouco a pouco, há medida que as armaduras, erguidas como duras couraças, se foram baixando. Dois seres reservados que, a muito custo, abriram as portas blindadas da sua privacidade. Duas pessoas que queriam coisas diferentes. Sempre quiserem coisas diferentes. E sonhavam sonhos diferentes, não complementares mas incompatíveis. Ficou doente e quis afastar-me. Não tive forças para lutar contra a violência com que me repeliu. Afastou-me para me poupar às adversidades que lhe destruíram o sonho ou, talvez, por vergonha das marcas profundas que lhe tinham dito que acabariam por permanecer no seu corpo. Por um breve momento ficámos os dois ali suspensos, a menos de dois metros. Não me viu ou, pelo menos, acho que não me viu. Consegui ver-lhe os grande olhos negros, outrora poderosos e agora tão tristemente embaciados que mais pareciam cinzento antracite. Tentei chamar pelo seu nome, mas não encontrei a minha voz, tal como naqueles sonhos em que queremos gritar mas nos apercebemos que não deitamos sons da boca. Não chegámos a falar e o momento desfez-se nas luzes electrónicas do concerto. Mas os meus olhos conseguiram dizer-lhe aquilo que, depois de tantos anos, tinha ficado por dizer. Esta música encarregou-se do resto.



Vídeo de Cold Play, Fix you.




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